
Inspiro. Expiro. Num sopro vazio, cheio de ar que me parece insignificante, mas que simboliza a minha existência, expulso o ar que anteriormente me entrou pelas narinas, revelando o teu cheiro. Essa essência de amêndoas e mel que viola o silêncio do meu interior, faz-me tremer, faz-me transpirar, faz-me rir, faz-me chorar por vezes, é o sustento mais material que compõe a minha vida, faz-me viver, portanto…mas ultimamente tem-me feito morrer.
Fecho os olhos e volto a abri-los. Por um momento julgo ver-te a meu lado, com os cabelos bem penteados, as pernas cruzadas e as mãos pousadas nas coxas masculinas. Sorris-me e eu fecho os olhos que já se enchiam de líquidos salinos, eu sabia que na realidade não estavas ali. Tinhas-me deixado, foste viver para longe, lá onde ninguém te pode alcançar.
Dou voltas na cama. Faltam-me as tuas pernas a entrelaçar com as minhas, falta-me o teu toque, faltam-me as amêndoas e o mel, faltas-me tu. Tenho a almofada a meu lado com saudades do teu encosto, tenho as mãos frias, tenho um quadro de cortiça onde ainda permanecem as nossas fotografias de viagem, de casamentos, de festas, de passeios, fotografias de um passado próximo que ainda me faz tremer. Continuo sem perceber o porquê de me teres deixado. Será que não te fazia feliz, ao ponto de fazer com que me desamparasses?
E é só o quarto dia sem a tua presença e sem o espelho do teu sorriso. Fazes-me realmente assim tanta falta? Ou é apenas do hábito de te ver todas as manhãs sair por aquela por aquela porta, enquanto enrolas a língua para deixar escapar um “Até logo amor”?
Tenho até evitado sair à rua, não vá eu encontrar-te numa das esquinas, mas hoje ganhei coragem. Enchi o meu peito de ar e pus os pés na calçada suja de Lisboa. O cheiro a castanhas assadas penetra-me. Encontro uma cara amiga pelas ruas que me pergunta “O que tens?”, ao que respondo “Nada”. É exactamente o que tenho…nada! Passo pelo Quiosque onde costumávamos parar para comprar o jornal e lembro-me de ti. Estou fraca. Sou fraca. Não aguento a tua ausência. Olho para o vão daquelas escadas em que trocámos beijos e promessas e sinto o meu coração a ser arrancado. Seis dias sem ti e até o Jornal me traz o sabor da tua presença.
“Vou surpreender-te”, penso. Corro a comprar dois bilhetes para o concerto que queríamos ver. A nossa música, a nossa banda.
Passo pela Florista e reparo que tem cravos vermelhos na montra, flor que sempre apreciaste, talvez pelo seu significado político, nunca cheguei a perceber bem. Porque é que me abandonaste antes de perceber o porquê de tantas coisas? Porquê? Fecho os olhos e sinto a tua mão a agarrar a minha. Sorrio. Puxas-me para o interior da Florista e levas-me a comprar uma dúzia de cravos para ti.
Oito dias, oito dias sem te ver, sem te tocar. Agarro nos bilhetes e nas flores que tinha acabado de comprar e, com um passo apressado, dirijo-me à tua nova casa. Por certo que não te importarias com a minha visita. Fiz o caminho a tremer e à porta hesitei, mas prossegui. A partir da entrada tudo doeu mais e se tornou mais corrosivo. Procuro-te no meio de tantos, era difícil encontrar-te neste teu novo sítio. Vejo-te finalmente.
Baixo-me junto a ti e afasto as flores a morrer na pedra gélida. Por momentos sinto-te. Sinto-nos aos dois. Limpo a fotografia da tua cara e sinto os números cravados há oito dias. Sinto-me a perder a cor e a quebrar ao ler as despedidas que te tinham escrito. Pouso os cravos ao junto ao chão e prendo o bilhete na coroa de flores. “Já podemos ir ao nosso concerto. Não te atrases, quero ver-te lá”. É Inverno sem o teu Sol, não sei estar aqui sem ti. “Amo-te”, sussurro por fim.