
Por momentos, julgo que conheço o que vejo, penso que outrora fomos amigos íntimos ou mais que isso, penso que fomos o que já não somos.
Tudo o que o meu campo de visão abrange parece-me negro e morto, como flora queimada. E o intenso cheiro desagradável que o sentido da visão alastra para o olfacto e o silêncio cortante como uma lâmina e desafinado como uma guitarra empoeirada, que o odor transporta para a audição. Sabor? Esse não sinto, que há já muito que tenho na boca a sensação encortiçada do amargo da tua.
Que cena perturbadora. À medida que o tempo passa e que vou reconhecendo cada vez mais os traços da vista, desejo ter a capacidade de nunca mais voltar a ter esta percepção do horrível, da ausência de alma, do mal, do negro, de tudo aquilo que nunca quis ser.
Cenário podre, repito o pensamento. E tem mesmo que o ser, ao ponto de me fazer ansiar por uma vida rendida às cordilheiras do Braille.
Pestanejo, mexo um braço, apercebo-me do que vejo e quebro, choro, clamo e tudo o que vejo altera-se ao sabor das minhas atitudes, como se dançasse ao som da música da tal guitarra, de forma pouco coordenada e convidativa.
Espelho. Vejo-me a mim e já lá vai algum tempo desde a última vez. Que cenário podre este.