segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

You have only been gone 10 days (...)

Fecho lentamente os olhos e sorrio. Volto a abri-los. Olho agora para as folhas de uma amoreira que se agitam ao sabor do vento, como que coreografadas durante anos a fio. Absorvo aquele momento (que aprecio da janela de uma camioneta pública), as caras dos que por mim passam e os cheiros que carregam consigo: o cheiro a novo, a perfume, o cheiro pútrido de uma vida menos abençoada, o cheiro a liberdade, a dor, a velhice, a experiência.
Lembro-me que tenho que te contar que hoje vi um estranho peixe...metamorfizou-se nas águas. Mudou de cor à medida que eu o imaginava com cores diferentes, até que desapareceu quando me faltaram hipóteses e, não querendo repetir, não o voltei a imaginar com as suas características iniciais... Jogo então a mão ao bolso para te procurar e o terror espelha-se na minha face. Onde estás tu? Alterno as mãos, de forma cruzada com os bolsos, impacientemente, à tua procura. "Terei eu as calças rotas?", pergunto a mim mesmo. Mas não, rotas é coisa que não estão.
O meu coração bate aceleradamente, até que uma mão pousa no meu ombro. "De que estás tu à procura, Gonçalo?", "Da Lúcia. Ela estava no meu bolso das calças, tenho a certeza que estava... e agora não a encontro lá. Achas que fugiu de mim?", "Não tens as mesmas calças que tinhas ontem, j..." Interrompo-a antes que acabe a sua frase. Claro, as calças não são as mesmas, é natural que aqui não estejas. Que cabeça a minha! Relaxo então, pois sei que estás a salvo onde te deixei.
Desço na minha paragem e apresso o passo até casa. Não me quero esquecer do que tenho para te dizer. Abro a porta de casa e, sem antes me certificar de que esta ficou devidamente fechada, dirijo-me para o meu quarto, fazendo gestos repetitivos e viciantes com os dedos contra as coxas. Agarro numa tesoura, guardada do porta-lápis que me foi dado quando andava na primária (lembras-te?) e sento-me no chão, junto das calças que tinha vestido ontem e que tinha mandado negligentemente para o soalho frio. Rompo os pontos que tinha cosido à boca do bolso para não te deixar fugir e então conto-te tudo sobre o peixe e a dita mudança de cor. Não respondes, nem reages... Terá sido do frio a que eu mesmo te sujeitei? Então acrescento, como que para quebrar o gelo: "Lembras-te de te ter pedido para abandonares um sopro na concha que fiz com as minhas mãos? Libertei-o no bolso das minhas calças e cosi-o para te poder ter perto de mim... Este é o teu último fôlego, desde a última vez que te vi. E tive tanto medo de perdê-lo..."

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Momento #7

Irrita-me o romantismo hiperbolizado, o amor de geração espontânea, o uso ilimitado de expressões que outrora nos arrepiavam, a confusão de sentimentos, a constante explosão de acontecimentos, os passos apressados da baixa lisboeta, os metros cheios à hora de ponta, os jornais do dia, com letras gordas sobre futebol, os telejornais, o sofrimento exagerado, as declarações lamechas. Irritam-me aqueles que se fazem de vítimas, os fracos, os fracassados, os que nunca lutaram, os que nunca sequer se ergueram, os que julgam os outros sem motivos, os falsos moralistas, os namoros repentinos, o amor à primeira vista, os sorrisos cínicos, a hipocrisia social, as modas, as músicas que todos ouvem, os que tentam ser mais e melhor, não por si, mas para não fazerem má figura ao pé do amigo X ou Y.
A mim, irrita-me o quotidiano.