terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Always look on the bright side of life


Exercitamos dezenas de músculos constantemente. Do corpo de Joana, os mais desenvolvidos são, sem margem para dúvida, os cerca de 45 que contrai de cada vez que sorri. Sim, Joana sorri genuinamente.
É da opinião de que existe sempre um lado bom das coisas, todas as situações são dotadas de ambiguidade e cabe-nos a nós, portadores de livre arbítrio, escolher a opção que mais nos agrada e, mesmo que não seja a correcta, aproveitá-la e aprender com ela. É como construir um puzzle com peças que, apesar de não lhe corresponderem, têm as mesmas ranhuras.
A vida é tão mais bela quando a encaramos de forma aberta, sem medos ou tristezas, quando fazemos o que realmente queremos fazer. Que o diga Joana, que bem fez abertamente em tempos.
No entanto, actualmente, Joana não consegue sorrir como sorria. Apontam-lhe o dedo de cada vez que sorri de algo que as outras pessoas consideram menos boas, consideram-na inconsciente, inconsequente, imatura. Mas não o é.
Faz então jus ao nome e, tal como d’Arc, luta. E ergue-se vitoriosa, mas não de forma vistosa. Tentam fazer com que ande em círculos e nunca encontre a esquina iluminada a que pertence, mas traça rectas; umas perpendiculares, outras paralelas, no interior do círculo, e cria o seu próprio canto, a que dá um nome que nunca se conheceu.
Aí, onde realmente pertence, o seu sorriso é verdadeiramente avaliado. Lá encontra todos aqueles que perdeu e constata que estão num local melhor, e sorri; não encontra pobres ou menos afortunados, não há trocas monetárias, não há assassínios e, por isso, sorri. Ali, todos vivem em harmonia, como poderiam viver no mundo real, se não fossem todos tão agarrados àquilo que o primeiro olhar revela, ao empirismo.
Sempre que cerra os olhos e sorri, Joana pega num papel e escreve:

“Não sou eu que sou inconsciente, não sou eu que estou errada. O Mundo só desaprendeu a sorrir…e eu não. Aqui, estou em casa”

Entra e uma brisa quente beija-lhe as bochechas. Recebem-na de braços abertos e sem preconceito. Sorri. Sorri como se não tivesse habilidade para mais nada. E o dia nasce.

“A imaginação é a nossa maior arma, mas a única que sabemos usar é aquela que fere, não aquela que nos faz sorrir genuinamente.
Eu imagino tudo, encontro todos os que quero encontrar, aproveito a vida. Pena que devo ser a única.”

Diz para si quando abre os olhos, põe os pés no chão e enfrenta o Mundo real, aquele que a renega a si e às suas ideias. O Mundo daqueles que não vivem, só matam tempo.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Take a journey to the bright midnight


Sentado numa poltrona, escondido atrás de uma espessa nuvem de fumo, com um cachimbo castanho suspenso nos lábios, que fumega a cada vinte segundos como se tentasse engolir o Mundo, está Aquino. Pertence-lhe uma barba branca e de tal suave textura que só lhe falta estar presa ao céu por uma guita para ser nuvem. As rugas do seu rosto eram bem visíveis e ainda mais acentuadas ficavam quando franzia a expressão enquanto fumava. Fecha os olhos lentamente ao mesmo tempo que, cada vez mais, a nuvem cinzenta o absorve, tornando-o invisível aos olhos de outrem.
Chega-se então à frente ao ver à sua beira Leonilde, porém da cara do homem, o fumo nada mais deixa transparecer senão a ponta do cachimbo e um brilho quase apagado nos olhos. Com a ganância e medo de que o tempo acabe, Aquino inspira fumo para o seu interior, volta a expirá-lo e recosta-se no cadeirão. Lança uma gargalhada, claramente dirigida a Leonilde, quase inaudível ou gaga. Semicerra os olhos, tira o cachimbo da boca e profere calma e seguramente:
“Que estás aqui a fazer? Já não tiveste a tua oportunidade? Deixaste-a passar em branco? Não a aproveitaste? Deste-a num acto de bondade? Pois temos pena!
Eu ainda tenho muito trabalho pela frente e a fila de espera já chega ao centro da existência. Vá, vai para o fim da fileira! Não passes os mais necessitados e que ainda não tiveram encontro comigo à frente. Eu já te atendi! Já te acudi! Não tenho culpa que não saibas o que fazes às e com as coisas! Vamos, estás a fazer-me perder tempo e com tudo isto já podias estar um passo mais perto de cá voltares justamente!”
Leonilde não arredou pé dali e, antes que a nuvem de fumo, que se começava a dispersar, lhe deixasse revelar o rosto por inteiro, suga mais tabaco e liberta-o novamente pelo nariz. Levanta o sobrolho e, agora mais agitado e irritado, grita para a mulher:
“Não sejas invejosa! Isto tem que dar para todos! Muita sorte tiveste tu da primeira vez que cá estiveste! Não deste valor ao que te ofereci e jogaste tudo borda fora!
Vá, agora sê uma boa menina e hás-de voltar a ter a tua vez. Com sorte, pode ser que ainda seja nesta vida!”
Acabado de falar, pousa o cachimbo e deixa que a envolvente nuvem de fumo seja levada pela imensidão do nada.
Quando já desfeita a nébula, Leonilde olha atentamente para a poltrona que Aquino estava anteriormente a ocupar e constata que está vazia.
Aquino tinha desvanecido juntamente com o fumo de que os seus próprios pulmões desfrutaram e que as suas próprias vias respiratórias haviam libertado.
Foi então esta a última vez que viu aquele homem de tez clara, pele manchada pelo tempo, barba branca, cara enrugada e marcada pela vida, de cachimbo na boca e de olhar tão apagado quanto o pavio de uma vela em pleno dia. Foi a última vez que viu Aquino, o guardador responsável pela gavetinha da felicidade.

Momento #5

Para quê preocuparmo-nos em ser mais e melhor se amanhã, quando formos pó e cinza, cinza e nada, ninguém se lembrará dos nossos esforços ou, mesmo que estes tenham sido nulos, considerar-nos-ão mártires e uma grande perda para a sociedade? As pessoas contaminam o esforço com a sua hipocrisia disfarçada de bem-querer.
"Se és mais, eu não sou, porque amanhã já cá não estou" (Beijo = 1000 - Ornatos Violeta)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Momento #4

A cena não fica registada em mais sítio nenhum, sem ser em mim mesma. Revejo-a vezes sem conta, perco-me nela, despeço-me.
E o tempo continua a ser só nosso.

domingo, 14 de dezembro de 2008

The Feelings Disappear

Olhou para a parede e sentiu-a despida, invadida por um branco quase doentio. Assumiu-a como a sua tela, para a qual iria trespassar toda a sua virilidade, como se pingos do seu próprio sangue se tratassem, sob a forma de movimentos bruscos e repetidos e com o objectivo de enfatizar o espaço que era agora seu.
Misturou todas as cores que compunham o seu pensamento. Obteve uma parede amarela, como a fome que o consumia. Lembrou-se então da Natureza que tanto amava e a parede dividiu-se numa outra fracção verde. Cor de esperança. Cor que associava a algo que já não tinha fazia muito tempo. Desagradou-lhe aquela imagem, portanto. Juntou-lhe um pouco de paixão, paixão pela vida (mas de que lhe serviria a paixão, se no seu peito não guardava um coração?); misturou o azul do mar, porém, porque pintaria algo que retratasse o mar, se o mar nunca tinha visto, se o seu aroma nunca tinha lambido dos lábios, se o cheiro a maresia nunca lhe tinha sido dado a conhecer? Porque pintaria algo cuja forma desconhecia?
As lágrimas vieram-lhe aos olhos. Julgava-se uma pessoa dotada de sabedoria, mas nunca as ondas lhe tinham ido beijar os pés, nunca a Natureza lhe tinha roubado um sorriso, nunca a terra lhe tinha dado alimento, nunca a vida tinha sido vida para si.
Ia-se esvaziando à medida que transpunha toda a sua essência para a tela, que outrora tinha sido parede vazia. Pensou em manter um pouco do branco à vista, branco da paz. Seria hipócrita se o fizesse, pois a pomba branca era animal que nunca tinha feito parte do seu imaginário e, consequentemente, a palavra “paz”, era desconhecida no seu vocabulário que, mesmo sendo pouco vasto, era suficiente para descrever tudo o que o compunha.
As lágrimas contrariaram, então, a gravidade e borraram a pintura. Ao mesmo tempo, vestiu-a com um veio roxo, cor que o caracterizava de uma forma completa, simbolizando a tristeza. Porém, a única cor com a qual se identificava, perdeu-se, camuflou-se no meio de tantas outras que já vestiam a sua tela, sem que desse por isso.
Dirigiu-se para a outra ponta da área e sentou-se no chão a observar a parede branca, que já não o era. Olhou atentamente e verificou que o preto, que nunca tinha sido pintado, começava a surgir no local onde tinham caído as suas lágrimas. Alastrou-se como uma doença maligna, como os ramos de uma trepadeira por toda a pintura.
Franziu as sobrancelhas e fechou lentamente a boca, que se lhe tinha aberto quando o negro o invadiu. Então, o preto, que já se tinha apoderado de toda a parede e, portanto, de todo seu interior, foi-se convertendo num espaço vazio.
O medo do fim percorreu-lhe de alto a baixo, puxou os joelhos ao peito, segurou-os com as duas mãos e enterrou a cabeça no interstício que tinha ficado livre. Fechou os olhos.
Um vento fê-lo arrepiar-se, um cheiro característico despertou a sua atenção, um sabor salgado fez com que levantasse a cabeça. Abriu os olhos. Estava junto ao mar e uma onda veio beijar-lhe os pés. Por momentos, soube o que era o mar e a sua forma, teve esperança de poder permanecer naquele espaço de tempo para sempre, amou a vida com todo o coração que batia no seu interior, sentiu paz de alma, alimentou-se do momento.
Todas as cores estavam presentes, excepto o roxo da tristeza. Foi feliz durante um pequeno grande intervalo de tempo.
Arregalou os olhos e o negro voltou. Abriu-os e olhou em volta. Nada viu. O seu corpo estava desprovido de qualquer veste, o seu peito isento de coração, o tempo livre de esperança ou paz, o seu organismo estava limpo de alimentos e, no entanto, não latejava de fome. Na realidade, não tinha nada.
Na volta, foi tudo o que sempre tentou pintar, tudo o que sempre viu, tudo o que sempre foi: nada.

Quadro: Jackson Pollock

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Momento #3

Sufocas-me com as palavras. Podias fazê-lo por doses pequenas, mas preferes gastá-las todas de uma vez. No fim, arrependes-te como uma criança que se arrepende de ter comido a última goma do saco.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Tastes like it's late, mom

Acordei e estava escuro lá fora. Maldito Inverno que nos rouba os prévios raios de Sol, que nos impede de dançar efusivamente debaixo do calor e do cheiro a maresia, que nos cobre o corpo com pesados tecidos, de cores mórbidas.
Sentia-me mais descansada que nunca, como se tivesse dormido durante três dias. Olho para a capa de um Cd de Red Hot Chilli Pepers e imagino-me naquele cenário. Agora, piso o fogo e respiro a água que, apesar da gravidade, não cai do seu ponto azul, onde usualmente vejo o céu, onde anteriormente estava a negridão que me agoniava o dia. Vivo do risco e do perigo, aventuro-me por terras desconhecidas.
No entanto, acho estranho a minha mãe ainda não ter vindo acender a luz, alegando estar na hora de ir para a escola.
Tenho calor. Tenho frio. Estou doente, estou contente. Estou indefinida…
Abro um olho, abro o outro… Foda-se, esqueci-me de acordar.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Momento #2


A mim droga-me a escrita. Transbordo de emoções e sensações como um tanque transborda de água. Afogo-me todos os dias.


A mim droga-me a escrita. Transbordo de emoções e sensações como um tanque transborda de água. Afogo-me todos os dias.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

É inverno sem o teu Sol

Inspiro. Expiro. Num sopro vazio, cheio de ar que me parece insignificante, mas que simboliza a minha existência, expulso o ar que anteriormente me entrou pelas narinas, revelando o teu cheiro. Essa essência de amêndoas e mel que viola o silêncio do meu interior, faz-me tremer, faz-me transpirar, faz-me rir, faz-me chorar por vezes, é o sustento mais material que compõe a minha vida, faz-me viver, portanto…mas ultimamente tem-me feito morrer.
Fecho os olhos e volto a abri-los. Por um momento julgo ver-te a meu lado, com os cabelos bem penteados, as pernas cruzadas e as mãos pousadas nas coxas masculinas. Sorris-me e eu fecho os olhos que já se enchiam de líquidos salinos, eu sabia que na realidade não estavas ali. Tinhas-me deixado, foste viver para longe, lá onde ninguém te pode alcançar.
Dou voltas na cama. Faltam-me as tuas pernas a entrelaçar com as minhas, falta-me o teu toque, faltam-me as amêndoas e o mel, faltas-me tu. Tenho a almofada a meu lado com saudades do teu encosto, tenho as mãos frias, tenho um quadro de cortiça onde ainda permanecem as nossas fotografias de viagem, de casamentos, de festas, de passeios, fotografias de um passado próximo que ainda me faz tremer. Continuo sem perceber o porquê de me teres deixado. Será que não te fazia feliz, ao ponto de fazer com que me desamparasses?
E é só o quarto dia sem a tua presença e sem o espelho do teu sorriso. Fazes-me realmente assim tanta falta? Ou é apenas do hábito de te ver todas as manhãs sair por aquela por aquela porta, enquanto enrolas a língua para deixar escapar um “Até logo amor”?
Tenho até evitado sair à rua, não vá eu encontrar-te numa das esquinas, mas hoje ganhei coragem. Enchi o meu peito de ar e pus os pés na calçada suja de Lisboa. O cheiro a castanhas assadas penetra-me. Encontro uma cara amiga pelas ruas que me pergunta “O que tens?”, ao que respondo “Nada”. É exactamente o que tenho…nada! Passo pelo Quiosque onde costumávamos parar para comprar o jornal e lembro-me de ti. Estou fraca. Sou fraca. Não aguento a tua ausência. Olho para o vão daquelas escadas em que trocámos beijos e promessas e sinto o meu coração a ser arrancado. Seis dias sem ti e até o Jornal me traz o sabor da tua presença.
“Vou surpreender-te”, penso. Corro a comprar dois bilhetes para o concerto que queríamos ver. A nossa música, a nossa banda.
Passo pela Florista e reparo que tem cravos vermelhos na montra, flor que sempre apreciaste, talvez pelo seu significado político, nunca cheguei a perceber bem. Porque é que me abandonaste antes de perceber o porquê de tantas coisas? Porquê? Fecho os olhos e sinto a tua mão a agarrar a minha. Sorrio. Puxas-me para o interior da Florista e levas-me a comprar uma dúzia de cravos para ti.
Oito dias, oito dias sem te ver, sem te tocar. Agarro nos bilhetes e nas flores que tinha acabado de comprar e, com um passo apressado, dirijo-me à tua nova casa. Por certo que não te importarias com a minha visita. Fiz o caminho a tremer e à porta hesitei, mas prossegui. A partir da entrada tudo doeu mais e se tornou mais corrosivo. Procuro-te no meio de tantos, era difícil encontrar-te neste teu novo sítio. Vejo-te finalmente.
Baixo-me junto a ti e afasto as flores a morrer na pedra gélida. Por momentos sinto-te. Sinto-nos aos dois. Limpo a fotografia da tua cara e sinto os números cravados há oito dias. Sinto-me a perder a cor e a quebrar ao ler as despedidas que te tinham escrito. Pouso os cravos ao junto ao chão e prendo o bilhete na coroa de flores. “Já podemos ir ao nosso concerto. Não te atrases, quero ver-te lá”. É Inverno sem o teu Sol, não sei estar aqui sem ti. “Amo-te”, sussurro por fim.

domingo, 23 de novembro de 2008

Momento #1





Deixa-me morrer, mas não me deixes partir só.