sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Take a journey to the bright midnight


Sentado numa poltrona, escondido atrás de uma espessa nuvem de fumo, com um cachimbo castanho suspenso nos lábios, que fumega a cada vinte segundos como se tentasse engolir o Mundo, está Aquino. Pertence-lhe uma barba branca e de tal suave textura que só lhe falta estar presa ao céu por uma guita para ser nuvem. As rugas do seu rosto eram bem visíveis e ainda mais acentuadas ficavam quando franzia a expressão enquanto fumava. Fecha os olhos lentamente ao mesmo tempo que, cada vez mais, a nuvem cinzenta o absorve, tornando-o invisível aos olhos de outrem.
Chega-se então à frente ao ver à sua beira Leonilde, porém da cara do homem, o fumo nada mais deixa transparecer senão a ponta do cachimbo e um brilho quase apagado nos olhos. Com a ganância e medo de que o tempo acabe, Aquino inspira fumo para o seu interior, volta a expirá-lo e recosta-se no cadeirão. Lança uma gargalhada, claramente dirigida a Leonilde, quase inaudível ou gaga. Semicerra os olhos, tira o cachimbo da boca e profere calma e seguramente:
“Que estás aqui a fazer? Já não tiveste a tua oportunidade? Deixaste-a passar em branco? Não a aproveitaste? Deste-a num acto de bondade? Pois temos pena!
Eu ainda tenho muito trabalho pela frente e a fila de espera já chega ao centro da existência. Vá, vai para o fim da fileira! Não passes os mais necessitados e que ainda não tiveram encontro comigo à frente. Eu já te atendi! Já te acudi! Não tenho culpa que não saibas o que fazes às e com as coisas! Vamos, estás a fazer-me perder tempo e com tudo isto já podias estar um passo mais perto de cá voltares justamente!”
Leonilde não arredou pé dali e, antes que a nuvem de fumo, que se começava a dispersar, lhe deixasse revelar o rosto por inteiro, suga mais tabaco e liberta-o novamente pelo nariz. Levanta o sobrolho e, agora mais agitado e irritado, grita para a mulher:
“Não sejas invejosa! Isto tem que dar para todos! Muita sorte tiveste tu da primeira vez que cá estiveste! Não deste valor ao que te ofereci e jogaste tudo borda fora!
Vá, agora sê uma boa menina e hás-de voltar a ter a tua vez. Com sorte, pode ser que ainda seja nesta vida!”
Acabado de falar, pousa o cachimbo e deixa que a envolvente nuvem de fumo seja levada pela imensidão do nada.
Quando já desfeita a nébula, Leonilde olha atentamente para a poltrona que Aquino estava anteriormente a ocupar e constata que está vazia.
Aquino tinha desvanecido juntamente com o fumo de que os seus próprios pulmões desfrutaram e que as suas próprias vias respiratórias haviam libertado.
Foi então esta a última vez que viu aquele homem de tez clara, pele manchada pelo tempo, barba branca, cara enrugada e marcada pela vida, de cachimbo na boca e de olhar tão apagado quanto o pavio de uma vela em pleno dia. Foi a última vez que viu Aquino, o guardador responsável pela gavetinha da felicidade.

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